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Artigo: A Inversão do Ônus da Responsabilidade

    A Inversão do Ônus da Responsabilidade: Reflexões Sobre a Cultura da Desresponsabilização

    A responsabilidade civil, consagrada no ordenamento jurídico brasileiro, encontra respaldo primordial nos artigos 186, 927, 188 e 928 a 954 do Código Civil. Este instituto fundamenta-se na necessidade de que todo aquele que causar dano a outrem, por ato ilícito ou abuso de direito, deve repará-lo. No entanto, a prática cotidiana tem demonstrado um fenômeno preocupante: a tentativa recorrente de transferência de responsabilidade para terceiros, ainda que inexista nexo causal apto a justificar tal repasse.

    Essa postura evidencia uma espécie de “inversão do ônus da responsabilidade”, conceito que, embora não possua respaldo jurídico técnico, reflete uma tendência social de se eximir de deveres e obrigações, imputando a outrem uma responsabilidade que, de fato, não lhes cabe.

    O Animal e a Responsabilidade Objetiva do Tutor

    Um exemplo ilustrativo desse fenômeno ocorreu recentemente em um residencial, onde uma moradora teve seu animal de estimação perdido e, posteriormente, encontrado sem vida na piscina de um vizinho. A tutora, ao invés de reconhecer sua própria negligência na guarda do animal, dirigiu sua indignação contra o vizinho e a administração do condomínio, sob o argumento de que a piscina deveria ter um cercamento para evitar acidentes.


    No entanto, à luz do artigo 936 do Código Civil, a responsabilidade objetiva pelo animal cabe ao seu tutor, salvo se comprovada culpa exclusiva da vítima ou caso fortuito. O fato de o animal ter escapado da residência e sofrido um acidente em propriedade alheia não transfere automaticamente a responsabilidade ao vizinho ou à administração do condomínio, pois inexiste previsão legal que os obrigue a manter cercamentos para prevenir invasões de terceiros.


    Dessa forma, a tentativa de atribuir responsabilidade ao vizinho e à administração constitui um clássico exemplo do que eu chamo de “indústria da responsabilidade alheia”, onde se busca terceirizar as consequências da própria omissão. Afinal de contas, a culpa é minha e eu a coloco em quem eu quiser, não é? Não, não é!!

    Responsabilidade Médica e a Conduta do Paciente

    No âmbito da responsabilidade civil médica, também é comum identificar situações em que pacientes tentam imputar aos profissionais da saúde os danos oriundos de sua própria conduta. O Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90) estabelece, em seu artigo 14, que a responsabilidade do prestador de serviço é objetiva, exceto quando demonstrada culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

    No caso da relação médico-paciente, a responsabilidade, em regra, é subjetiva e depende da comprovação de culpa do profissional (imprudência, negligência ou imperícia). Assim, um paciente que desrespeita as orientações pós-operatórias, como ingerir bebidas alcoólicas, frequentar locais inadequados ou praticar esforços físicos indevidos, não pode imputar ao médico a responsabilidade por eventuais complicações, pois a culpa é exclusivamente sua.

    Em tais casos, os tribunais têm reafirmado a necessidade de comprovação do nexo causal entre a conduta do profissional e o dano alegado, não podendo o paciente simplesmente transferir a responsabilidade pelo insucesso do tratamento quando foi o próprio causador da complicação.

    A sociedade contemporânea tem presenciado um aumento significativo na tentativa de transferência de responsabilidades individuais, criando um ambiente onde a culpa passa a ser um elemento negociável, ao invés de uma consequência direta da conduta de cada um.

    O ordenamento jurídico brasileiro é claro ao estabelecer que a responsabilidade civil decorre do ato daquele que gera o dano, e não pode ser arbitrariamente transferida sem um liame causal concreto.

    O que eu chamo de “inversão do ônus da responsabilidade”, ainda que não seja um conceito jurídico técnico, reflete uma prática social que merece ser criticada e combatida, tanto pela sociedade quanto pelo Poder Judiciário, garantindo que as normas de responsabilidade civil cumpram seu papel de promover a justiça e a equidade, ao invés de servirem como instrumento de isenção indevida de obrigações.

    Ter uma assessoria jurídica especializada é essencial para te proteger nos momentos cruciais que podem custar, infelizmente, sua carreira!
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